SONHO COM A LIBERDADE EM DEVANEIO

Terceiro andar de uma casa fria cercada de árvores de sombra. Teto esburacado, paredes muito úmidas e sempre gotejando. Quando chovia, os cascalhos desciam pelo teto, trazendo areia, folhas e outros detritos.

A casa me deixava doente com seu silêncio perturbador. O rosto amarelado, o nariz congestionado, o cabelo sem vitalidade... eu encolhia aos poucos sem perceber. O corpo muito magro com costelas salientes. Sempre sozinho. Muito só. Por muitos anos usava objetos que me faziam companhia: meias listradas, a pantufa encardida, o bornal a tiracolo engordurado e meu guarda-chuva preto. Ao andar pelos corredores friorentos você deveria sempre abrir o guarda-chuva. As gotas d’-água eram tão congelantes que você podia adoecer instantaneamente caso lhe tocassem. 

Havia apenas uma parte que eu gostava quando a vela iluminava: a sacada orlada de trepadeiras. Eu podia ver as nuvens dali. Era fascinado por elas e os olhos deliravam de prazer ao contemplá-las. Muitas vezes apoiava o cotovelo na grade de ferro enferrujado e ficava admirando os flocos de algodão que se formavam sob o cerúleo do céu contrastando com o interior penumbroso da casa.

Num desses dias, quando o sol tocava a pele bem de leve e a brisa fresca acariciava meu rosto, apreciava algumas nuvens que pairavam sob a atmosfera. Um urso polar, uma nave espacial, um sorvete...

De repente, como num piscar de olhos, as nuvens se moveram rapidamente para os lados e uma a uma iam descendo do céu ensolarado. Franzi a testa esfregando os olhos para crer no que via. Elas formavam uma espécie de fileira e como num elegante desfile, saiam pomposas pela rua afora esbranquiçando toda a avenida.
Segurei firmemente na grade de ferro apoiando quase todo o corpo para fora da sacada para ver melhor aquele estranho fenômeno. 
De súbito, uma nuvem gorda e densa foi se aproximando de mim rapidamente. Boquiaberto com os olhos quase saltando para fora, sua massa branca me envolveu e pude sentir meu rosto enrubescer.
Como num convite, ficou estática em minha sala de estar, que já não era mais escura como antes. 

Ergui minhas mãos para tocá-la e imediatamente arranquei-lhe um pedaço. Levei à boca e ao mastigar, derreteu. O gosto era gelado e amadeirado. Eu podia sentir aquele pedaço de nuvem descer pela garganta e me nutrir por dentro. Não me contive e fui arrancando um a um os pedaços e engolindo-os. Um movimento de gula desenfreado que era quase impossível cessar. Fui me enchendo daquele monte de nuvem à medida que ela ficava pequena. O corpo ficando mais leve, o chão já não possível de se sentir, o rosto corado, a respiração ofegante e os cabelos esvoaçantes. Num grito de contentamento, me deixei ser levado pela energia que me domava e meu corpo flutuava indo em direção à sacada orlada de trepadeiras.

Quando percebi, estava flutuando como uma delas, entre um mar de nuvens e o denso azul que emanava liberdade. E aqui de cima, em meio às luzes e cores, a casa escura me encara firmemente, mas fica tão pequena e insignificante que perde a graça. 



















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