AURORA - Capítulo 04

As duas andaram por entre algumas dezenas de irmãs até virarem em um dos vários corredores paralelos à câmara de reparos, este um pouco menor que o primeiro. Uma colcha multicor substituiu o fundo branco e ofuscante da câmara, flores multicores, tons de madeira e verde avançavam até se perder de vista.
_ O melhor passatempo que existe é a jardinagem não é mesmo? Além do nosso compromisso com a Humanidade, poderia ficar aqui o dia todo regando e alimentando as plantinhas.
Marcela confirmou com a cabeça, tendo vontade de revirar os olhos e pensando o quão pouco Livia conhecia de plantas, do mundo na verdade, e lembrou-se que até algumas semanas atrás partilhava do mesmo pensamento.

Caminharam para seus vasos, que ficavam perto da entrada pela qual passaram, enquanto outras irmãs passavam com pranchas planadoras ao seu lado.
_você sabia que existem árvores que não puderam ser trazidas da vida selvagem para cá? Elas alcançam alturas maiores que o teto desse edifício, uma pena, não é? Nunca as veremos, mas isso não quer dizer que não sou grata à Humanidade por existir. Por falar em gratidão, eu estou pensando em trocar de célula, a maestra responsável pela qual eu tenho morado não é lá muito caprichosa...
Marcela já havia percebido que não precisava mostrar que estava escutando, estava focada em seu jovem ipê que se apresentava com oitenta centímetros, penetrou seus dedos dentro do gel em que estava plantado e sentiu as raízes tocarem-na intimamente como se cumprimentasse um velho amigo, desejava poder leva-lo junto com ela para fora e apresenta-lo a terra de verdade, onde ele poderia se nutrir com fartura, diferente da dieta rígida que introduziam em seu gel.
_ O que você acha de eu me mudar para sua célula? Sua maestra é competente? _ A voz de Livia conseguiu retirá-la de seus pensamentos.
_ A Ivone é incrível, ela deixa a gente muito à vontade para fazermos o que quisermos com a célula, ela também não é carrasca, desde que não carreguemos reclamações que possam prejudica-la.
_ humm, à vontade é? _ Livia fez um bico de desaprovação. _ Prefiro aquelas mais organizadas, gosto que incitem a ordem na casa.
Marcela deu de ombros e foi buscar um regador para seu amigo vegetal.
Perto das prateleiras com regadores e suplementos, uma garota de cabelos pretos até o ombro se demorava esperando Marcela a alcançar.
_ Meu tomateiro está quase pronto para ser colhido, mal vejo a hora. _ Dafne disse, examinando um pacote de vitaminas.
_ Vou querer um para provar.
_ Mas é claro. _ Dafne colocou as vitaminas de volta às prateleiras e sorriu para Marcela. _ Mais que um, quem sabe 24?_ E deu uma piscada.
Dafne voltou para seu tomateiro, na direção oposta de onde estava seu Ipê, enquanto Marcela voltava com seu regador. Livia estava conversando com a irmã ao lado sobre como equilibrar as cores numa célula para ter um sono tranquilo.

Marcela ficou observando aquela conversa, como se a contemplasse por um visor, aquela realidade não mais pertencendo a ela. Tinha vontade de compartilhar tudo que estava aprendendo com Livia, mas provavelmente a amiga a delataria. Soprou o pensamento negativo e voltou-se para seu ipê, aguando-o e tentando compartilhar, através das gotas de água, a ansiedade por colocar os pés em terra logo mais à noite.


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