Prodigio

   Estava congelado de medo, como se À minha frente encontrasse um pântano cheio de jacarés com suas bocas enormes dispostas a me devorar. O sol ardia no céu com furor, eu suava frio e tremia. Resultado: a preciosa folha de papel em minhas mãos começava a amassar e umedecer. Um sinal para que eu fosse rápido.
  Atravessei a mercearia de Seu Antônio, que me conhece desde que sou um garoto, e falei num som que o velho não conseguira distinguir, fazendo uma careta. Levantei um tom a voz: _ Será que o Senhor teria um emprego para mim?
  Aquilo foi o fim, pronto, declarada minha morte, a morte de minha reputação.       
  Sempre fora o garoto esquisito da rua, o qual a avó nunca deixara brincar de pique nem soltar pipa. Brincar apenas no pátio da Igreja. Dizia minha vó que eu era diferente dos demais garotos, e que ela estava me defendendo, queria que eu fosse alguém  na vida. Se estiver lendo isso, vó, sinto muito, mas seu plano falhou.
  Cresci fechado dentro de casa, tendo os livros como amigos. Mas um livro não faz por você o que uma pessoa precisa fazer nessa vida: te indicar. E assim a turma que não tirava boas notas na escola fora se apoiando e conquistando o mundo coletivamente, enquanto eu precisei fazer isso apenas com meu conhecimento. Ou seja, minha vó tornou tudo mais dificil para mim.
  Hoje sou o único da minha geração na rua que continua morando por aqui, nada deu certo. E por isso cheguei ao ato derradeiro, pedir um emprego de carregador ao dono da mercearia. 
  Aqui jaz o garoto prodígio.

Comentários

  1. Encare como um alfinete que vai estourar a bolha, e te libertar, nunca eu tarde pra se reinventar, esse trabalho talvez seja apenas uma experiência necessária para coisas maiores, eu mesmo já limpei gaiola de passarinho, carreguei tijolos em loja de material de construção.... E acredito que tudo que tem que ser feito merece ser bem feito, e assim o universo entende sua iniciativa e te retorna aos poucos algo que voce almeja.

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