Uma Garrafa Cheia

 Sozinho em casa à noite, a chuva cai torrencialmente lá fora e dentro de casa o tédio flui igualmente em mim. Passo os canais de TV, folheio livros, observo as redes sociais. Nada que consiga dignamente prender minha atenção. 

Penso em beber, na falta do que fazer, ao menos o sono chegará mais rápido e impedirá que eu seja corroído por tanto marasmo e remorso. 

Confesso, não quero demorar-me em nenhuma atividade específica pois minha mente, eterna adversária, gosta de tripudiar de mim fazendo comparações entre a cena atual em que me encontro sozinho e há uma semana atras, quando Ele ainda estava aqui, ainda sinto o cheiro dele no sofá... Vê? Já estou me lembrando dele, e não quero fazer isso. 

Retomo meus planos de embriagar-me, não há sequer uma lata de cerveja nos armários, praguejo aos ventos e penso no que pode ser feito.

Lembro-me da existência de meu vizinho de porta, seriam 22:15 tarde demais para incomodá-lo pedindo uma garrafa de bebida? Torço para que não, abro nossa conversa no telefone (a última mensagem sobre um problema no encanamento ocorrido já ha dois meses). Vejo que está conectado e não me delongo muito. Saúdo-o, pergunto como está e, sem esperar que responda, pergunto se não teria uma garrafa de gin para me arrumar.

O que narro agora é da mais vil artimanha que já vi os deuses praticarem contra mim. Não bastasse meu estado de carência, tédio e solidão, meu celular me fez o favor de trocar a palavra gin por fim. 

Eu pedi uma garrafa de fim para o quase estranho do outro lado do corredor. Fiquei a observar aquela mensagem por tempo indeterminado. O importante a saber é que fiquei curioso com a ideia. Uma garrafa de fim, que gosto teria? Talvez fosse exatamente disso que deveria me embriagar. Tomar uma garrafa inteira e dar um fim ao fim. Mas o fim do que? Desta casa? Do meu trabalho? Das minhas memórias de Eduardo? Sinceramente, eu beberia uma garrafa para cada uma das mil coisas que estava querendo me livrar naquele momento. Que trágico, eu só queria dormir e agora precisava escolher sobre como iria terminar com tudo aquilo que estava me consumindo. 

Recobrei a consciência que o corretor ortográfico temporariamente raptou, decidi enviar uma mensagem para minha mãe pedindo se poderia ficar por lá até arrumar outro apartamento. Antes que fizesse isto, meu vizinho responde à minha mensagem, aparentemente entendendo que eu só desejava beber. Por coincidência estava ele fazendo uma confraternização com alguns colegas e me convidou a me juntar a eles, coisa que nunca fui de fazer. No entanto observei aquela casa vazia, abri a porta e cruzei o corredor. Poderia ao menos dar fim a esses velhos hábitos.

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